Friday, August 24, 2012

Wright, Fleming, a investigação científica e os mercadores de tapetes persas




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Fleming entrou para o laboratório em 1906. Duas salinhas modestas com frascaria em desuso, e mesmo assim mantidas em grande parte com o dinheiro que Wright ganhava na clínica, pois ele achava que todo o médico, mesmo bacteriologista, devia continuar com a prática clínica, «a fim de manter os pés na terra». Pagava aos assistentes cem libras por ano e, se desconfiava de amuos e refilices, tinham de lhe ouvir uma trovejada prédica sobre o apostolado da investigação. Esta ou era desinteressada ou não seria coisa nenhuma. Fizessem-se antes mercadores de tapetes persas.
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Embora o facundo mestre, presidindo no seu cadeirão da secretária, tivesse tendência para falar todo o tempo, havia quem lhe fizesse frente. Apenas Fleming preferia calar-se. E se, de raro em raro, ousava interrompê-lo, era para o varar com as frases mais simples mas, simultaneamente, mais perturbadoras: «Isso não daria nada na prática.» Wright, que gostava de especular sobre proposições científicas como se estivesse perante um tema de arte, apreciando que alguém dissesse: «Aquela experiência foi uma obra-prima», irritava-se com essa secura de Fleming, para ele herética e inconveniente. Por isso, provocava-o de quando em quando, beliscando-lhe os brios de escocês ou tentando pôr em causa a sua erudição literária. Mas Fleming saía-se bem, nunca se mostrando agastado. Aliás, na ambiência prevalecia o desconstrangimento e a jovial improvisão. De uma vez, um francês noviço viu Fleming aproximar-se de Wright, picar-lhe um dedo e extrair sangue para um cotejo com outra análise, sem que o mestre tivesse sequer interrompido o discurso. Foi-se dali sem saber que pensar de tal gente.
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Os caçadores de patentes corriam agora para o negócio do século. Mas os cientistas ingleses insurgiam-se contra a ideia de exclusividades e contra a tentativa de registo comercial da marca Penicilina. Agora que se espalhara a notícia sensacionalista das virtudes da droga-panaceia, apareciam à venda pomadas, pastilhas e até cremes de beleza à base de penicilina. Fleming, certo de que todo esse aranzel seria efémero, comentou para Mortimer:
— Que irão inventar mais? Talvez um bâton para os lábios.
— É muito possível. E o lançamento poderia ser feito com este pregão: «Beije quem quiser e como quiser; escapará a todas as consequências desastrosas, salvo o casamento, se usar o bâton-penicilina.»
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John Smith, director da Pfizer, que era então o maior produtor de penicilina, teve com ele este diálogo:
— Porque não fez as coisas de maneira a obter direitos que lhe permitissem, a si e aos seus, viver como pertence a um homem que prestou um tal serviço à humanidade?
— Nunca pensei nisso.
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